Ensaio 11

A comunidade brasileira precisa se unir.

Niterói, 18 de fevereiro de 2021
Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.

Sempre ouvimos falar que a união faz a força!

No mundo da gestão de negócios o termo sinergia vem a tratar do mesmo assunto – diz-se que a soma dos esforços de duas pessoas resulta em algo maior do que a soma do que ambas realizariam sozinhas.

Ainda no mundo dos negócios, há muito tempo que as empresas aprenderam a valorizar seus concorrentes, e não apenas tratá-los como inimigos. Rivalidade excessiva gera normalmente uma guerra de preços que reduz a lucratividade de todos os concorrentes.

Claro, existe uma rivalidade saudável e necessária. É ela que mantém a qualidade dos produtos e serviços – afinal, temos que sempre fazer melhor para conquistarmos nossos clientes. Mas quando nos concentramos apenas em derrotar nossos concorrentes, perdemos o foco do nosso próprio negócio.

Concorrentes são parceiros em diversos aspectos, vamos destacar dois: (i) bares que se reúnem em determinada região podem combinar – JUNTOS – eventos gastronômicos e festivais que trarão público extra para o bairro. Se todos trabalham junto, sai mais barata a divulgação e o custo do evento, logo a comunicação atinge mais pessoas, ou (ii) concessionárias de automóveis precisam de espaço para seus estoques e o aluguel nas grandes cidades é muito caro. Como solução, buscam bairros menos nobres ou periferias para pagar menos. Porém, estar sozinho em um bairro mais ermo pode não ser bom no Brasil, assim, se várias concessionárias se reunirem na região conseguem manter o movimento local – minimizando risco para todos e barateando o custo do aluguel.

Isso sem contar na referencia que se torna uma região com muitas lojas similares. Já ouviram falar da Rua 25 de março em São Paulo ou da Rua da Alfândega no Rio de janeiro? Quer comprar algo barato, passar lá! Quer comprar roupa de inverno? Vá na cidade tal, no bairro tal …

Em alguns lugares a percepção de que o concorrente pode ser seu aliado foi além. Por exemplo, é comum que empresas japonesas se unam para resolver um problema tecnológico. Cada uma ‘envia’ alguns engenheiros para uma força tarefa em conjunto que desenvolve a solução. Depois cada empresa faz as suas adaptações e inovações particulares. Por exemplo, em 2013 a Toyota, Honda, Mitsubishi e Nissan participaram de projeto de desenvolvimento e melhoria das estações de recarga para carros elétricos – todas juntas. Isso é muito comum por lá – facilita o desenvolvimento das soluções (co-criação) e reduz os custos de pesquisa.

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Fizemos essa longa introdução para destacar uma impressão que tivemos em muitas de nossas entrevistas com empresários brasileiros no exterior.

Parece que muitos empresários brasileiros estão mais preocupados com os outros brasileiros do que com os empresários locais. Na minha cidade, ‘nasce’ uma loja chinesa ao lado da outra todo o dia, e todas parecidas – inclusive mudam de bijuterias para produtos para festa, todas ao mesmo tempo.

Estudamos em artigos (a comunidade chinesa é um pouco fechada para entrevistas) que existe um sistema de ajuda mútua, denominado guanxi. Quanto mais envolvido você esta nessa rede de relacionamentos mais ajuda você dá e mais recebe. Inclusive com financiamentos informais (de dentro da própria comunidade) para a abertura de negócios.

Daí, quando escuto um brasileiro no exterior (empresário ou não) reclamando que o problema é o excesso de compatriota na região, que “fica todo mundo vendendo coxinha, pintando unha”, etc – me lembro dos chineses. Nunca reparei se estavam descontentes com aquela quantidade de lojas iguais na mesma rua – mas não pareciam estar.

Isso sugere que tem algo mais do que simplesmente a quantidade de brasileiros na região. Comecei a esboçar uma explicação no ensaio 10.

Mas o fato é que não adianta ficar lamentando que “a comunidade hispânica é que é forte” (nos EUA, por exemplo) se a comunidade brasileira não se une. Temos diversos exemplos de “fortes são os … (complete com a etnia mais próxima da sua realidade)”.  

Sabemos que o brasileiro tem dificuldade de participar de associações: “pra que pagar por isso?”, “a gente fica pagando pra eles ficarem usando o dinheiro para viajar e comer”. Isso acontece aqui e no exterior.

Tem mais problemas, uma vez que somos contrariados em nossas sugestões e a associação adota outra abordagem, nossa tendência é ficarmos decepcionados, nos desligarmos a fundarmos outra associação. Ela funcionará até que haja uma nova divergência. Um brasileiro em uma cidade do exterior uma vez nos disse “todo mundo se considera líder comunitário aqui. Basta ter esposa e um filho que já se apresenta como líder de um grupo”.

Reparem o que acontece com os partidos políticos no Brasil! Um desentendimento e já se cria uma nova sigla.

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Mas não adianta sabermos que somos, muitas vezes, desunidos sem tentarmos apresentar alguns bons exemplos a serem seguidos.

Do ponto de vista da ação comunitária brasileira no exterior, o melhor modelo que conhecemos organiza o grupo em três áreas:

– Grupo de empresários: não é uma câmara de comercio, é um grupo de empresários. Reparem, nem todo mundo será empresário, mas eles podem acomodar a maior parte dos imigrantes com empregos e negócios derivados (ex: empresas que venham a suprir as necessidades locais). Além disso, uma associação de empresários deve promover uma reunião das pessoas de negócios brasileiros através de jantares e eventos REGULARES. É preciso entender que esses eventos devem ter um objetivo social – fazer com que todos se conheçam. Por isso, separe um período do encontro para apresentações. Além disso, nesses eventos, a comunidade pode receber novos imigrantes que pretendem empreender ou mesmo os que já estão há algum tempo na região mas que só agora se interessaram por montar um negócio. Assim, outros empresários podem passar suas demandas por novos negócios. Por exemplo: “nós estamos precisando de uma gráfica brasileira por aqui”. O evento social não deve ser o principal motivo da associação, ela ainda deve estar bastante emprenhada na divulgação dos negócios brasileiros – sem privilegiar um ou outro empresário.

Associação cultural: deve receber um grande apoio do grupo de empresários (inclusive financeiro), uma vez que seu propósito é o de ‘vender’ a cultura brasileira na região. Feiras, exposições, shows levam um pouco do Brasil ao exterior. Na medida em que a sociedade local se acostuma com ‘nosso sabor’ vai ficado mais propensa a comprar produtos brasileiros. A associação cultural deve ser autossustentada, mas é importante saber que como ela abre espaço para as empresas de brasileiros, esses dois grupos devem estar sempre alinhados. Além disso, a associação cultural acabará por concentrar empresários autônomos voltados, obviamente, para a cultura. Pintores, músicos, artistas plásticos e professores de capoeira (por exemplo) deveriam formar uma rede de apoio junto á esta associação.

Associação civil: a associação civil deve apresentar as demandas da comunidade brasileira para a municipalidade local. Deve defender os interesses de todos e abrir mais espaço para as feiras e exposições (associação cultural), consequentemente, para os negócios (grupo de empresários). É importante ganhar voz nos órgãos públicos oficiais, ter um vereador (ou cargo similar), um advogado influente, etc. Muitas famílias demandam, por exemplo, a introdução de uma aula de português nas escolas – isso é importante para os filhos (que não ficam isolados da língua mãe) e para os colegas de classe (que aprendem algumas palavras e se familiarizam com nossa língua). Muitos brasileiros na Europa fazem aulas de capoeira nas escolas, contação de leituras sobre o Brasil ou mesmo ginástica com musicas e ritmos brasileiros. Isso vem da parceria entre a associação cultural e a associação civil.

Outro exemplo que cabe destaque são os grupos de mulheres. Por exemplo, ficamos muito impressionados com a aplicação e união do Grupo Mulheres do Brasil. Diversas empreendedoras entrevistadas na Alemanha demonstraram gratidão à atuação do grupo, formado em 2013. Apesar da maioria dos núcleos se encontrarem no Brasil, a atuação no exterior é digna de destaque. Elas orientam, motivam e fortalecem umas as outras.

Também escutamos, em algumas cidades, que a associação de mães se destacava no sentido de ambientar melhor os filhos (confusos com toda a mudança), gerar relacionamentos e amizades entre as mães (muitas sem nenhuma amizade local) e consequentemente, fazer nascer negócios entre elas, uma vez que demandam pequenos produtos (comida, por exemplo) e serviços.

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Nas mais diversas religiões, filosofias e orientações de vida que a humanidade promoveu o foco de melhoria sempre foi a própria pessoa, ou seja, nós mesmo. Isso significa que perdemos muito tempo tentando classificar e questionar o comportamento dos outros, pois só podemos mudar o nosso comportamento.

Querer que todos pensem como a gente não e o principio do associativismo, muito menos o principio da democracia. Associações buscam E VALORIZAM o que temos em comum, a partir daí defendem esses interesses DE TODOS – claro que existem diferenças, mas essas organizações devem sempre olhar só para o comum.

A democracia não trata da busca por garantir uma maioria, ser eleito e iniciar a ditadura da maioria perante a minoria, IMPONDO agendas e ideologias. Ao contrário, a democracia é o espaço onde todos TÊM VOZ. Onde mesmo o esquecido pode opinar. Claro que não dá pra ficar só debatendo, a ação tem que acontecer. Mas é preciso perceber que se demanda da maioria for prejudicial à minoria não deveríamos tomar tal atitude. A maioria escolhe, mas a minoria tem o poder de veto – só assim avançamos democraticamente.

É por isso que acreditamos que não adianta achar o melhor modelo se não estamos dispostos a mudar.

Pense em duas crianças que querem dividir um pedaço de bolo. O pai decide: “Joãozinho, você divide o bolo no tamanho que quiser, mas será a Mariazinha que escolherá o pedaço primeiro”. O que vocês acham que vai acontecer? Tenho certeza de que os filhos vão comer um pedaço do mesmo tamanho e que ambos não vão ficar falando mal do outro que comeu mais.

COMO CITAR:

CRUZ, E.P. (2021). A comunidade brasileira precisa se unir. ENS-011 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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