Ensaio 09

O modelo CANVAS para empreendedores imigrantes

Niterói, 04 de fevereiro de 2021

Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.

Uma vez que uma pessoa, imigrante ou não, começa a pensar em abrir um negócio, dizemos que ela está à procura do seu modelo de negócio. Nesta resenha vamos destacar então que a procura de um modelo de negócio é chamada de modelagem de negócio. Então a modelagem é o processo para se chegar ao modelo. Parece apenas um jogo de palavras, mas não é.

O que vimos na prática, entre os micros, pequenos e médios empresários brasileiros no exterior, é um início marcado por muita incerteza e amadorismo. Muitos dos entrevistados declararam que não conheciam o ramo de negócios, as particularidades dos clientes e as leis e tributos locais antes de empreender.

A forma tradicional, e ainda válida, de se fazer a análise do modelo de negócio é o Plano de Negócios – falamos e defendemos sua elaboração no ensaio 5. Porém, muitos estudiosos do empreendedorismo sugerem um método mais rápido, conhecido como CANVAS.

Particularmente, eu defendo primeiro a idealização do CANVAS e, se realmente a ideia parecer promissora, daí partir para um Plano de Negócios. Mas como modelar um negócio com o CANVAS?

Alexander Osterwalder desenvolveu a ferramenta de forma que esta pudesse ser usada de forma colaborativa (co-criação). Ele utiliza um gráfico simples, feito em powerpoint ou simplesmente em uma folha de papel. Assim, a proposta do CANVAS é utilizar uma ferramenta mais ágil, mais fácil de ser adaptada, para testar as principais premissas do negócio. Dessa forma, espera-se reduzir riscos e evitar gastar recursos com elementos ou estratégias desnecessárias.

Basicamente o CANVAS faz o empreendedor pensar em como ele vai criar, entregar e capturar valor. Ou seja, ele deve chegar a uma ideia clara dos benefícios que a empresa se propõe a oferecer e os motivos pelos quais os futuros clientes vão querer pagar por eles.

A ferramenta é composta por nove partes que devem ser identificadas pelo futuro empreendedor: proposta de valor, segmentos de clientes, relacionamento com clientes, canais, atividades-chave (atividades principais), recursos-chave (recursos principais), parcerias-chave (parcerias principais), estrutura de custos e fontes de receita.

Vamos analisá-lo, item a item, à luz das particularidades dos empreendedores imigrantes.

Bloco segmento de clientes

Todo negócio deve se formar a partir da perspectiva do cliente, assim, esse é o primeiro bloco que deve ser completado. No mundo dos empreendedores imigrantes existem três grupos de clientes que podem ser o alvo do negócio: (i) os imigrantes de mesma nacionalidade, (ii) os imigrantes de outras nacionalidades, e (iii) os consumidores locais.

Nunca sugerimos que um micro, pequeno ou médio empresário imigrante comece buscando todos os clientes, saber escolher o segmento certo é fundamental para o sucesso inicial. Claro que escolher vender para a comunidade local não significa proibir a venda para a comunidade brasileira, mas entenda que às vezes, para ganhar clientes locais você precisará fazer ajustes no seu produto – o que pode tirar um pouco da identidade brasileira dele.   

Mas tenha bem claro para quem está criando valor e liste as características destes potenciais clientes.

Bloco oferta de valor

Depois de definir o cliente é hora de saber quais são os benefícios de seus produtos (ou serviços). Isso significa pensar na causa pela qual os clientes escolherão sua empresa. Seja por que buscam o sabor exótico brasileiro, o jeito especial de nosso povo atender ou a nossa capacidade de buscar soluções criativas, o consumidor local não necessariamente que o produto ou o serviço como o brasileiro quer.

Por outro lado, o brasileiro pode preferir o ‘produto original’, o mais próximo possível do que ele tinha no nosso país – e isso pode não agradar ao gosto do consumidor local. Depois de algum tempo vocês podem tentar chegar a uma receita híbrida ou segmentar o atendimento.

Tente identificar os problemas dos clientes (ou necessidades) que você tentará resolver.

Bloco canais

São os modos como o empresário entra em contato com o cliente, seja para ser visto (comunicação) ou para interagir (local ou forma de atendimento).

Muitos negócios ainda necessitam de seus espaços físicos para atender ao cliente, outros são totalmente digitais. Mas, hoje em dia, praticamente todos têm um conjunto híbrido de canais. Comunicação pelas redes sociais e produtos e serviços entregues de forma tradicional – faça uma pesquisa nos grupos de brasileiros em algum país ou cidade do exterior que verá isso.

Mas é importante saber que o canal deve seguir a escolha do segmento alvo: websites na língua local (excluindo uma versão em português) ou o contrário (só em português e não na língua natal). Mas muitos negócios usam não só os dois idiomas, mas incluem outros ligados a grupos étnicos de interesse do empreendedor.

Na hora de definir um local de atendimento essa questão também é importante – um bairro étnico pode afastar clientes locais. Bandeiras nacionais e letreiros em português também são estratégias.

Bloco relacionamento

Descreva as estratégias que pretende utilizar para manter os clientes na sua empresa. Ouvimos histórias de donos de agências de carro que usavam o velho bloquinho de notas para parcelar para os imigrantes. Com essa estratégia mantinha proximidade com a comunidade de brasileiros sendo reconhecido como a referência para a aquisição de carros. Todos respeitavam sua atitude, pois o crédito era muito difícil naquele país.

Bloco fluxo de receitas

Hora de determinar como o cliente pagará pelos benefícios recebidos. Pode ser através de uma venda única ou assinatura para manter o fornecimento de algo. É importante lembrar que, se foi escolhido o brasileiro como cliente, ele tem suas prioridades e seu próprio senso de valor.

Por exemplo, já escutamos muito que o brasileiro não entende que consultoria é paga. Acostumamos-nos a pedir conselhos a advogados, médicos, fisioterapeutas e psicólogos e ganharmos horas grátis de orientações. O europeu e o americano, por exemplo, não pensam necessariamente assim. Dessa forma pode-se criar uma inconsistência no modelo de negócios: voltado para o cliente brasileiro, mas fundamentado no modo como o estrangeiro paga.

O contrário também, o estrangeiro pode achar que o guaraná é apenas mais um tipo de refrigerante (não percebendo necessidade de pagar mais por isso) e o brasileiro pode querer pagar o dobro do preço de uma Coca-Cola para lembrar-se do Brasil.

Bloco recursos-chave

Envolve listar os ativos fundamentais para o Modelo de Negócios, ou seja, máquinas, equipamentos, instalações, propriedades intelectuais, recursos humanos, etc.

Suponha que você tenha um negócio que, tecnicamente, é igual a todos os outros. Isso significa que o letreiro e as propagandas estão todas na língua local. Que não há nenhum apelo étnico em seu produto ou serviço. Que não existem bandeiras do Brasil ou camisas da seleção expostas. Por exemplo, você é apenas mais uma loja de roupas que vende as coleções da loja.

Claro, nesse caso, boas ‘araras’ para expor os produtos, espaços para experimentar e uma boa forma de parcelamento podem ser exemplos de recursos-chave. Mas se tiver uma máquina que importou do Brasil ou funcionários brasileiros com os dons necessários para a prestação do serviço (por exemplo, sambistas), você terá recursos-chaves étnicos.

Bloco atividades-chave

Trata-se de descrever quais as atividades mais importantes. Podem ser: (i) de produção; (ii) de resolução de problemas dos clientes, e (iii) de plataforma ou rede.

Pequenas e médias empresas de imigrantes tendem a ser intensivas em mão de obra. Agências de turismo, padarias e empresas de contabilidade, são exemplos. Assim, não se deixe enganar, sua formação e valores brasileiros serão atividades-chave da sua empresa, pois permitem oferecer o serviço, o atendimento, de forma diferente – talvez mais carinhosa.

Bloco parcerias-chave

São os fornecedores e/ou terceirizados. Muitos empresários brasileiros no exterior estão atuando em um ramo diferente do que faziam no Brasil, pois não encontraram fornecedores com qualidade ou preço similares aos que tinham aqui.

A importação de insumos nacionais (tapioca, filé mignon, picanha, açaí, xampus e até tesouras) é uma segunda atividade e nem sempre é realizada pelo dono da loja. Um negócio é a venda e o outro é a importação. O segundo precisa de escala – a compra em grande quantidade.

Nem sempre existe um brasileiro na região que importa produtos de qualidade. Assim, fundamentar o negócio na parceria com importadores locais pode ser perigoso. Se ele simplesmente resolver suspender as atividades, irá prejudicar sua empresa.

Bloco estrutura de custos

Todo gestor tenta reduzir seus custos, e isso é realmente importante, mas não deve ser uma obsessão. Uma vez que o mais barato muitas vezes também é o de menor qualidade, o empresário precisa saber equilibrar essa equação.

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De fato, ter uma ferramenta que possa ser visualizada em uma única página é muito útil. Além disso, desenhar o CANVAS em um quadro e ir rabiscando, com canetas e post-its, apagando e reescrevendo, permite o melhor desenvolvimento das idéias, pois podemos ajustar com facilidade.

OSTERWALDER, Alexander; PIGNEUR, Yves. Business model generation: inovação em modelos de negócios. Alta Books, 2020.

COMO CITAR:

CRUZ, E.P. (2021). O modelo CANVAS para empreendedores imigrantes. ENS-009 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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