Empreender por oportunidade, necessidade ou por solidariedade?
Niterói, 14 de janeiro de 2021
Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.
Como descobrir uma oportunidade de negócios? Existem várias ‘técnicas’: (i) se pergunte sobre o que falta na sua região – afinal, o que ninguém faz torna-se uma oportunidade; (ii) olhe para o ‘lado’ e veja que tipo de negócio não surgindo – afinal, se todo mundo está abrindo, é por que está ‘dando dinheiro’, (iii) veja a vocação da sua região – afinal, se tem muita loja de roupa aqui, as pessoas já identificam esse bairro como um pólo de vestuário e já vêm naturalmente para cá. Essas são algumas ‘metodologias’ que vemos e ouvimos.
Pensando de uma forma mais profissional, você parte de uma idéia e avalia se ela é uma oportunidade, na medida em que vai ao encontro de uma necessidade do mercado. Isso se traduz na existência de clientes potenciais dispostos a pagar o preço que você pedir. Muitos destacam que a oportunidade deve ‘agregar valor ao seu consumidor’, seja lá o que querem dizer com isso.
Por outro lado, sabemos que muitos empreendedores abriram seus negócios simplesmente pela necessidade de ganhar dinheiro. Na verdade, talvez o melhor termo fosse ‘falta de oportunidade’, e isso ocorre principalmente por que não conseguem encontrar empregos formais. Falamos sobre essa questão no ensaio 4.
A identificação de oportunidades ou o empreendedorismo por necessidade também está presente na vida de um imigrante. Ser brasileiro morando em outro país e aproveitar o crescimento do estilo brasileiro de estética (depilação, cabelo e unhas – entre outras) para abrir um salão é um exemplo do empreendedorismo por oportunidade. Sabe jogar futebol? Mesmo que não seja um craque, pode usar do fato de ser brasileiro e abrir uma escolinha, talvez um treinamento funcional com os fundamentos do futebol – já pensou que pode fazer isso na pracinha da rua onde você mora?
Sabemos que a dificuldade de encontrar empregos formais leva imigrantes a subempregos, mas levam também alguns ao empreendedorismo. Abrir um negócio pela necessidade de sustentar a família é uma realidade. Eles podem se tornar autônomos e começar a prestar serviços pela região ou mesmo podem investir as poucas economias em uma loja ou escritório. Muitos brasileiros destacaram a qualidade de vida como fator que os mantêm morando em Portugal. Porém, informaram que apesar de terem acesso à saúde pública, educação e uma vida sem violência não dá pra ‘juntar dinheiro’, pois o salário por lá é muito baixo. Assim, quem precisa de mais dinheiro para sustentar uma família maior, precisa de dois empregos ou vai partir para o empreendedorismo.
Mas encontramos, nas entrevistas com empresários brasileiros no exterior, um terceiro fator motivacional para a abertura de negócios, vamos falar sobre isso já, já.
***
De acordo com o relatório da Global Entrepreneurship Monitor – GEM, empreendedores movidos por oportunidades são indivíduos que iniciam um negócio como uma opção de carreira em potencial, ou seja, porque percebem uma oportunidade de negócio inexplorada (ou subexplorada) no mercado. Geralmente corresponde a uma ideia / oportunidade amadurecida, com uma estratégia planejada. São ainda pessoas que voluntariamente criam um empreendimento para buscar uma oportunidade de negócio percebida para se tornarem mais independentes ou para obter rendimentos adicionais.
O relatório também define o empreendedor movido por (pela) necessidade como alguém que iniciou um negócio porque não havia melhores opções de trabalho ou porque não viu nenhuma oportunidade, mas precisava ganhar dinheiro para se sustentar.
Nos meus próprios estudos sobre finanças e análises de mais de 500 planos de negócios de alunos de graduação e pós-graduação que já orientei, tenho uma percepção um pouco diferente – o conceito de oportunidade é que não está adequado nessa divisão de motivação.
Assim só considero uma oportunidade algum negócio que se demonstre financeiramente viável – pelo menos através de uma ferramenta como Taxa interna de Retorno – TIR, Valor Presente Líquido – VPL ou Período de Payback (falaremos sobre elas em ensaios futuros – acompanhe). A partir de uma boa análise de viabilidade temos duas opções: (i) só investimos se realmente percebermos que é um negócio rentável – nesse caso, estamos movidos (motivados) pela oportunidade, ou (ii) mesmo parecendo não ser um negócio rentável investimos, pois não temos opção, precisamos tentar – daí estamos movidos pela necessidade.
Reparem! Como disse no ensaio 5 uma oportunidade de negócios não é necessariamente uma ideia diferente, que ninguém faz no mercado. Muitos negócios são tão diferentes que o cliente sequer entende a ideia que o empresário está oferecendo e não está disposto a pagar por ela.
Oportunidade é um negócio (inovador ou não) que demonstra ter uma lucratividade que justifique o investimento e ponto final.
***
Mas no mundo dos micro e pequenos negócios de imigrantes, identificamos um terceiro tipo de motivação para o empreendedorismo: chamaremos, inicialmente, de empreendedorismo relacional.
Nesse tipo de empreendimento a principal motivação dos empresários seria a de ajudar um parente ou conhecido. Dentro dos diversos grupos de empresários brasileiros entrevistados, alguns abriram o negócio como uma maneira de dar emprego (e visto) para uma pessoa conhecida ou como resposta a uma percepção de injustiça e exploração de um empregador anterior.
Por exemplo, na Austrália existe o Sponsor Visa. Os imigrantes sabem que uma empresa pode “patrociná-los” (termo usado para essa situação empregatícia na qual o estrangeiro consegue um visto para viver e trabalhar). Claro, existe uma série de requisitos a se preencher e deve-se provar que as qualificações e experiência do candidato se encaixam com a posição em questão para que uma empresa possa “sponsorar um estrangeiro”. Mas nada que não seja muito complicado, principalmente aos criativos brasileiros.
Um brasileiro com uma empresa em Portugal (que atenda os requisitos locais) pode recrutar outros compatriotas (que ainda estão no Brasil). Assim, eles podem pedir um visto de trabalho. É possível que brasileiros encontrem facilidade de se candidatar a esse tipo de visto em diversos países, através de uma empresa de um conhecido. Mas nos EUA, por exemplo, conseguir justificar a necessidade de se ‘importar’ essa mão de obra requer muita ‘lábia’.
Não se consegue um visto de trabalho em Portugal tendo entrado como turista. Mas os brasileiros conseguem uma autorização de residência a partir da ‘manifestação de interesse’ a partir de uma atividade de trabalho local comprovada e de estar regularizado na Segurança Social. Esta possibilidade fez surgir alguns negócios de brasileiros por lá. Assim, pessoas com mais tempo e estabilidade em Portugal puderam ‘regularizar’ a situação de amigos e parentes. Esse é o empreendedorismo relacional. Talvez pudéssemos chamar de empreendedorismo por solidariedade.
Considerações
Definitivamente, acreditamos que a oportunidade de negócios está relacionada à capacidade deste em gerar lucros. Essa estimativa requer um planejamento prévio que o imigrante precisa saber minimamente fazer.
Na década de 1980 vimos muitos brasileiros que tinham subempregos nos EUA (por exemplo) e que ‘convocavam’ seus amigos e parentes para irem trabalhar por lá, pois ganhava-se mais e vivia-se melhor. Muitos foram, juntaram dinheiro e retornaram para suas vidas no Brasil. Outros permaneceram no exterior.
Hoje, vemos um exemplo semelhante, mas onde o empreendedorismo é o fundamento. Assim, em vez de convocarem para trabalharem COM eles, convocam para trabalharem PARA eles. Em muitos casos, isso significa a garantia de uma permanência legal no país. Ensaiamos chamar esse tipo de motivação para abrir um negócio como empreendedorismo relacional. Talvez, o melhor nome seja empreendedorismo por solidariedade, pois muitos não são recrutados no Brasil, eles estão em outro país em uma situação de vulnerabilidade financeira e documental. Assim, a criação da empresa significa, principalmente, a possibilidade de uma vida mais tranquila.
Não é tão simples, mas realmente demonstra a solidariedade do brasileiro.