Ensaio 04

O Empreendedorismo e a possibilidade de recomeçar

Niterói, 21 de dezembro de 2020

Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.

Há muito tempo que venho alertando sobre a substituição do emprego pelo trabalho. Aquela frase “no futuro terá mais trabalho e menos emprego” já está mudando o tempo verbal – do futuro para o presente.

No contexto que estamos apresentando, emprego e trabalho não são sinônimos. O primeiro trata da relação formal entre um patrão e um funcionário (subordinado) regida, no Brasil, pela CLT e suas atualizações, leis complementares etc. Trabalho envolve qualquer atividade, remunerada ou não, subordinada ou não, em que as partes combinam como será feito o serviço e quais as responsabilidades envolvidas.

Para muitas pessoas, estar empregado gera uma sensação de segurança. Não apenas no que diz respeito ao salário que entra no fim do mês, mas também aos chamados “direitos trabalhistas” que protegem, até certo ponto, os funcionários. Outros, que já não conseguem arrumar empregos formais, entendem que é melhor trabalhar de forma menos tradicional do que ficar sem dinheiro. Dessa forma, buscam qualquer tipo de trabalho remunerado para manter um fluxo de caixa que garanta os pagamentos.

Essa dualidade entre ter direitos, mas não ter emprego ou ter trabalho, sem ter direitos, é um dos principais pontos das discussões sobre as relações de trabalho hoje em dia. O mundo mudou, profissões estão em extinção, taxistas estão sendo substituídos por motoristas de aplicativo, hotéis sendo substituídos por site de aluguel de temporadas. Os que se sentem prejudicados com os ‘novos’ modelos não percebem que isso já vem acontecendo há muito tempo, confirme com o moço do carro de quentinhas, que fica estacionado na rua vendendo, e que você compra todo dia – ele não substituiu o restaurante? E os vendedores ambulantes, não substituem as lojas?

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Existem diversos fatores que ajudam na diminuição da empregabilidade. Particularmente neste ensaio, vamos destacar três: (i) o aumento da idade; (ii) a mudança para um novo país com decisão pessoal ou familiar – imigração, e (iii) a mudança para um novo país para acompanhar um cônjuge expatriado.

Se por um lado acreditamos que o aumento da idade nos traz experiência e nos ajuda a levar melhores contribuições às empresas, por outro, não se pode fechar os olhos para o fato de que as empresas preferem trocar a experiência dos mais velhos pela disposição dos mais novos. Disposição essa que também se manifesta na aceitação de receber um salário bem menor. Assim, com o valor pago a um executivo mais velho é possível pagar dois jovens recém formados (ou até mais), muito mais propensos a aceitar qualquer imposição da empresa. Infelizmente, esse conceito de velho é bastante peculiar para as empresas: enquanto a expectativa de vida do ser humano aumenta (76,7 anos no Brasil, segundo o IBGE – 2020) e a modernidade faz com que sejamos mais saudáveis, as empresas já começam a considerar velhos os executivos com 45 anos. Incrível NÉ? Não se trata de fazer aqui nenhuma campanha contra as empresas, lembramos que no mundo privado a escolha é livre, isso significa que o empregador tem O DIREITO de escolher o perfil dos seus funcionários.

A mudança para um novo país, principalmente falando a partir da experiência dos brasileiros, é muito complexa. Hoje, após mais de 4000 respostas de brasileiros morando no exterior em meus questionários, posso garantir que a maioria do nosso povo sai do país muito mais por causa das nossas próprias dificuldades internas do que realmente por querer morar fora. Infelizmente, as escolhas dos governantes brasileiros nos últimos anos deixaram uma sensação de que a vida melhor está além das nossas fronteiras. Mas nem todos que querem sair do Brasil conseguem ir de forma regular, muitos recorrem à saída com visto de turista, mesmo já sabendo que pretendem ficar para sempre. Lembramos que a migração irregular dificulta a possibilidade de se conseguir um emprego formal. Daí, novamente vem a questão: até tem trabalho para o indocumentado, mas não necessariamente emprego.

Sair para morar fora do país acontece muitas vezes através de um convite de trabalho a um dos cônjuges. Dessa forma, o marido ou a esposa vão juntos como forma de apoiar essa nova empreitada. Essa experiência é muito proveitosa para toda a família. Desde aquele que está saindo a trabalho quanto os demais familiares, que experimentam uma nova cultura e aprendem ou aperfeiçoam o idioma local. Mas não é fácil para quem está acompanhando continuar produtivo. Revalidar o diploma e iniciar a busca por um novo emprego é bastante difícil. Além do mais, a necessidade de cuidar da casa faz com que esse conjugue acompanhante tenha menos tempo para buscar esses empregos – DESTAQUE: apesar das discussões de gênero identificarem na mulher essa tarefa encontramos muitos homens que, acompanhando suas esposas, cuidam da casa e dos filhos no exterior.

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Temos muita convicção de que o empreendedorismo é uma possibilidade real para essas pessoas recomeçarem suas vidas. Não precisamos de um diploma para empreender, não estamos limitados pela idade para poder abrir um negócio, não dependemos de um empregador para empreender. Dependemos, inicialmente, de uma boa percepção das oportunidades que vêm do mercado.

A partir da identificação dessa oportunidade, devemos fazer algumas avaliações para descobrir se realmente essa idéia é boa ou não. Vamos tratar desse processo em ensaios futuros ou em vídeos postados nas nossas redes sociais (FIQUEM ATENTOS).

Por hora, queremos apenas mudar a percepção de muitas pessoas de que empreender é uma coisa cara e arriscada. Pode até ser, mas existem maneiras de minimizar esses riscos – veja o Ensaio 3.

Uma vez, uma professora do meu departamento estava falando sobre essa liberdade do empreendedorismo e destacava que qualquer um pode exercer uma atividade remunerada, mesmo aquele que acha que não sabe fazer nada. Dizia ela “você sabe ler? Busque informações sobre como ser contador de histórias para idosos – pergunte na vizinhança sobre pais que estão em casa sem ocupação e quanto esses filhos estão dispostos a pagar a você. Ou quem sabe fique em uma praça e faça leituras para crianças – deixando uma caixinha para pagamentos voluntários”.

Não existem pessoas que compram mercadorias em atacado e vão vender de porta em porta? São legítimos empreendedores, pois assumem o risco (nesse caso o de não vender a mercadoria) e lutam para conseguir ‘botar dinheiro em casa’. Meus tios saíram do Brasil com pouco menos de 50 anos e recomeçaram a vida nos EUA a partir de trabalhos como babysitter e limpador de piscinas. Claro, com suas forças de vontade e experiência buscaram e aproveitaram as oportunidades que foram aparecendo e hoje são empresários por lá. Mas eles não são empreendedores agora, suas atitudes mostram que foram empreendedores desde sua chegada aos EUA. 

A experiência adquirida com a idade nos ajuda no processo de análise do ambiente de negócios e na proposição de modelos inovadores de empresas para atender às necessidades dos clientes. Já discutimos em ensaios anteriores que os imigrantes têm um diferencial em relação ao morador local, no que diz respeito a capacidade de ter soluções diferentes para os problemas daquela região. Por fim, ressaltamos que para o cônjuge poder ‘fazer o próprio dinheiro’ dá um propósito a mais na vida do que apenas ficar cuidando da casa. Além disso, empreender significa não ficar preso a um emprego. Isso garante a liberdade e tempo para conhecer o novo país e a nova cultura.

Considerações

Aqueles que podem estar sofrendo por causa de uma mudança brusca na vida entendam que esse ensaio é para você. Não se trata de um texto de autoajuda, já ouvi muitos colegas desanimados porque perderam seus empregos e não conseguem mais se recolocar no mercado de trabalho – e olha que são pessoas em torno de 45 anos de idade. A incerteza perante a vida é enorme: olhar para os filhos dormindo em casa e sentir uma dor por não estar conseguindo dar sustento é muito triste.

O que já aprendi com os brasileiros no exterior? Que há muita dificuldade para se alojar, aprender a nova burocracia, conseguir crédito, se adaptar ao idioma local, vencer preconceitos em relação à sua nacionalidade, por exemplo. E se existe uma nova etiqueta de como se vestir, como cumprimentar os vizinhos, etc, existe também uma nova etiqueta de como trabalhar, de como fazer negócios. São novas relações de trabalho e novas expectativas de patrões e empregados.

Cônjuges muitas vezes sofrem com depressão, pois se sentem sozinhos na maior parte do dia e perdem a sensação de sua própria utilidade. Ter uma ocupação preenche esse espaço e permite uma renda extra para que não se sintam dependentes do salário da(o) companheira(o).

Vocês podem ganhar dinheiro trabalhando como autônomo, micro ou médio empreendedor. Trata-se apenas de uma mudança no paradigma de vida. Ao invés de apenas fazer seu serviço e receber o salário no fim do mês, é preciso saber gerenciar uma carteira de clientes e manter uma agenda de compromissos bem organizada. Isso por que, sem salário, é fundamental manter o fluxo de caixa através de uma seqüência de trabalhos remunerados que não pode parar. Mas mesmo assim é preciso fazer uma reserva financeira para uma possível semana sem clientes.

Ou seja, além dos requisitos técnicos de sua especialidade é preciso aprender um pouco de gestão e saber que agora está gerenciando a empresa “VOCE LTDA”.

A recompensa? Além da certeza de estar sendo útil, de poder sustentar a família, você perceberá que o empreendedor ganha mais do que um assalariado.

COMO CITAR:

CRUZ, E.P. (2020). O Empreendedorismo e a possibilidade de recomeçar. ENS-0004 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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