Ensaio 1

Empreendedorismo e Imigração: um ensaio sobre a evasão de empresários brasileiros para o Sul da Flórida.

Niterói, 13 de abril de 2016

Eduardo Picanço Cruz, D.Sc.

Diversos pesquisadores e acadêmicos estudaram o fenômeno da emigração Brasileira (Sales, 1992; 2001; Assis e Sasaki, 2000; Margolis, 2003), entre outros. O ponto focal da maioria destes textos se concentrava nos seguintes aspectos:

– na inversão da rota imigratória brasileira: até a década de 70 recebendo imigrantes e a partir dos anos de 1980 ofertando pessoas, e

– como efeito dessa nova rota, os trabalhadores insatisfeitos com o Brasil que vislumbravam oportunidades nos exterior, mesmo que em um subemprego.

Não consideramos o caso da diáspora brasileira resolvido, muito pelo contrário, ainda tem muito estudo a ser feito. Pesquisadores como Álvaro Lima, a rede Diáspora Brasil e o site “Brasileiros no Mundo” do Itamaraty, são referências importantes nesse campo de estudo – claro, não se esquecendo dos autores citados e outros muitos que não mencionamos.

O enfoque gerencial de nosso grupo de pesquisa nos leva, no entanto, para um caso particular desse movimento de diáspora – os empresários. Mas, vamos com calma!

Essa ‘fuga’ da classe média alta e de ricos para o exterior já vem sendo alarmada através de inúmeras matérias em jornais, revistas, blogs e comunidades de redes sociais. São exemplos as matérias: “Brasileiros compram MIAMI” escrita por Delboni (2016) e “Os brasileiros que podem se refugiam na Flórida” escrita por Gianini (2014).

Identificamos também que nos últimos anos, os corretores de imóveis do Sul da Florida têm se fartado com a quantidade de latino americanos como brasileiros, argentinos e venezuelanos, que chegam aos EUA semanalmente e compram “imóveis como quem compra banana na feira” – de acordo com a expressão de um corretor que mora na cidade de Doral (Miami-Dade County).

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O foco do presente ensaio diz respeito a um grupo muito específico de indivíduos que deixam os países latino-americanos – os empresários. Mais especificamente, dentre a comunidade brasileira, lembramos do caso de Flávio Augusto da Silva (dono do Wise-Up) que comprou o time de futebol do Orlando city e do ‘ex-jogador de futebol’ Adriano, que através do investimento na equipe do Miami United, não só encontrou um negócio, mas está investindo no retorno à sua carreira de jogador. Mas estes são apenas poucos exemplos.

Diversos acadêmicos e jornalistas destacam a crise política brasileira, a violência e a recessão como fatores da instabilidade nacional. Mas percebemos que esses fatores levam muitos empresários a buscarem no empreendedorismo internacional a dinâmica para uma vida nova em uma possibilidade de morar no exterior.

O encanto com a vida no exterior aumenta quando eles percebem que as coisas “simplesmente acontecem lá”, que as burocracias são mínimas e que o Estado funciona. Isso reforça uma frase que ouvimos constantemente: “morar aqui é como morar em uma espécie de Brasil que deu certo”. Identificamos que quando o clima é semelhante ao nosso, caso do Sul da Flórida e Austrália, por exemplo, essa declaração se encaixa perfeitamente.

Os dados gerados por nosso grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense – UFF apontam que 41% dos empresários brasileiros no Sul da Flórida (EUA) entrevistados entre 2012 e 2014 afirmaram que deixaram o país por que não queriam mais morar aqui. Ainda foram identificados 16% que saíram por terem ficado encantados com os EUA após uma viagem de turismo. Já 30% buscaram uma melhor oportunidade para si mesmo ou sua família.

Entendemos assim, que a diáspora empresarial brasileira tem algumas particularidades que devem ser mais compreendidas. Dentre as diversas possibilidades de estudo vinculadas a esse fenômeno, citamos algumas:

– os negócios transnacionais realizados por investidores que não emigram. São investidores que se mantêm no Brasil, mas que perceberam oportunidades no exterior e estão buscando novos negócios,

– os movimentos de empreendedorismo internacional que seguem os modelos tradicionais como UPPSALA ou das Born Globals. São os casos dos que fazem o chamado investimento direto, ou seja, internacionalizam seus negócios buscando novas demandas,

– estudos sobre enclaves étnicos e empreendedorismo imigrante. Negócios de brasileiros imigrantes que abrem pequenas e médias empresas no exterior para atender a comunidade brasileira local ou competir no main market, e

– estudos sobre empreendedorismo transnacional e a perspectiva de que esses investidores voltem a fazer negócios com o país de origem. São os empresários que saíram do país, mas que após o sucesso no exterior, voltam a fazer negócios com a pátria mãe.

Mas existe outra linha de estudo que não diz respeito diretamente aos negócios e investimentos. Trata-se de uma relação entre a abertura de um negócio no exterior (ou o investimento) e o uso deste negócio como alavanca para iniciar um processo migratório. Perceba que não se encaixam em nenhum dos casos anteriores. Vamos citar apenas dois exemplos:

– em 2013 um grande empresário brasileiro do ramo de alimentação rápida pretendia faturar alto com suas cinco lojas nos EUA. Com planos de expansão para chegar a 50 lojas nos cinco anos seguintes ele usava de uma estratégia executada por alguns empreendedores imigrantes de oferecer ‘produtos diferentes’ para os cidadãos locais, descrita por Zhou (2004). O diretor de marketing da época informou que metade dos clientes era de americanos, sem ascendência latina. As idas e vindas acabaram por exigir a compra de um imóvel nos EUA, provavelmente usado também para estabelecer sua família.

– os times de futebol do Rio de Janeiro receberam uma triste notícia no final de 2015. O dono da “Viton 44”, Neville Proa, como muitos outros, ‘cansou do Brasil’ e iria retirar o patrocínio que salvou os clubes cariocas nos últimos anos. “Vou para Miami. Até este início de janeiro já vendo tudo [no Brasil] e parto para lá. Tchau e benção. Estamos f… aqui. Adoro o Rio e o Brasil, mas preciso pensar na minha família” disse o empresário em uma coletiva de imprensa. No inicio de 2016, ele é anunciado como novo patrocinador do Fort Lauderdale Strikers, do ex-jogador Ronaldo.

Ordones (2014) já alertava para a quantidade de vistos de investidor (EB-5) que eram emitidos nos EUA para os brasileiros. Um advogado ouvido pelo repórter deixa a entender que o objetivo é imigrar. Pelo menos quatro advogados entrevistados por nosso grupo de pesquisa seguem o mesmo entendimento. Eles foram claros ao afirmar que são procurados semanalmente por diversos empresários que querem saber o ‘caminho mais curto’ para a imigração, sempre ressaltando que têm capital para ser empresário nos EUA. Outra curiosidade refere-se as sondagens direta ou indiretas que os pesquisadores do grupo já receberam de empresários interessados em vender tudo no Brasil e ir para os EUA.

De acordo com o U.S. Travel State, entre 1997 e 2013 o Brasil foi responsável por 25% de todas as solicitações de visto de não imigrantes da América Latina. Dentre os tipos de vistos de não imigrantes, também chamados de temporários, estão o L-1 (de trabalho) e o EB-5 (de investidor). Devido a particularidade desses vistos é possível entrar com o pedido do green card. Assim, fundamentados em entrevistas com os advogados brasileiros que trabalham em diversas cidades do Sul da Flórida, levantamos a hipótese de que muitos estrangeiros (incluindo brasileiros) tentam a imigração através da abertura de negócios no exterior.

De todos os vistos L-1 e L-2 solicitados pela América latina, o Brasil se manteve com uma média de 45% de 1999 a 2013. Os pesquisadores identificaram que os vistos EB-5, até 2004 eram quase inexistentes, mas a partir deste ano, houve um incremento nas solicitações dentro da modalidade de ‘investimento direto’. Lembramos que os vistos EB-5 também podem ser solicitados através de investimentos indiretos, usando Regional Centers americanos (essa modalidade sai de ZERO em 2007 para 28 em 2014).

Não somos expert no assunto, isso não é foco do grupo de pesquisa, mas como o objetivo dos ensaios é ousar, vamos fazer duas considerações:

– No caso do visto L1, muitas vezes percebemos o “jeitinho brasileiro” em ação. A idéia é criar uma filial de sua empresa brasileira nos EUA e “se exportar” como executivo. Identificamos que o governo americano está atento a esse tipo de movimento e soubemos ser freqüente o insucesso através dessa modalidade.

– Para o visto EB5 o sucesso parece ser mais certo, mas podem ser identificados alguns problemas. Fazer o investimento direto requer a presença do empresário lá e muitos ainda dependem de seus negócios no Brasil, não estando dispostos a se desfazer dos seus bens sem que tenham mais segurança no processo. Por outro lado, usar um Regional Center americano significa deixar o seu dinheiro para ser administrado por outros, nem todos gostam desse risco.

Para mais detalhes e informações, sugerirmos procurar uma consultoria de negócios séria nos EUA e/ou um bom advogado de imigração.

Considerações

O Brasil precisa estar atento a esse movimento de saída de empreendedores, pois há muito se sabe da importância das pequenas e médias empresas para a economia de uma nação. Não se pode proibir nenhum empresário de manter seu negócio no Brasil a despeito da crise econômica. Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo e o serviço público deixa a desejar nas entregas à população. Mas é possível ao Governo lançar política afirmativa em dois momentos diferentes:

– um país com menos burocracia, menos impostos, menos interferência estatal na economia e com mercado consumidor ativo sedimenta a atividade empresarial. A crise política, economia e, sobretudo, moral que enfrentamos no momento faz com que o empresário prefira desinvestir – veja a posicionamento da FIESP nos recentes atos contra o governo brasileiro;

– o brasileiro busca um país melhor para viver, mas, via de regra, mantém seus laços com o Brasil. Encontramos na literatura exemplos bem sucedidos de outros povos que mesmo após a saída de alguns empresários experimentaram “sua volta” através do chamado empreendedorismo transnacional. Eles encontraram novas oportunidades na pátria mãe e voltaram a fazer negócios, gerar emprego e renda onde nasceram. É preciso estudar os motivos que levam empresários internacionais a optarem pelo transnacionalismo e investir nesses pontos. Baltar e Icart (2013) têm um excelente estudo sobre os aspectos que levam ao transnacionalismo com empresários argentinos na Espanha. Por que não aplicá-lo aos brasileiros?

Alguns estados mexicanos fronteiriços com os EUA estimulam a repatriação de capital através de políticas públicas que beneficiam os imigrantes mexicanos que desejam reinvestir em suas cidades natais. Por exemplo, a cada dólar repatriado o governo estadual investe dois.

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Podemos perceber que temos muito a aprender neste campo de estudo e muito a debater. Esperamos escrever pelo menos um artigo por mês detalhando e discutindo os diversos temas abordados nesse primeiro ensaio e outros que venham a surgir. Sempre com menos rigor acadêmico, mas buscando questões práticas e inquietantes.

Assis, G. D. O., & Sasaki, E. M. (2000). Novos migrantes do e para o Brasil: um balanço da produção bibliográfica. Migrações Internacionais: Contribuições para Políticas, 615-639.

BALTAR, F.; ICART, I.B.I. (2013). Entrepreneurial gain, cultural similarity and transnational entrepreneurship. Global Networks: a journal of transational affairs. Volume 13, Issue 2. Blackwell Publishing Ltd & Global Networks Partnership.

Delboni, C. (2016). Os brasileiros compram Miami: a classe alta nacional leva seus dólares para o balneário da Flórida, onde adquire imóveis de alto padrão com preços até três vezes menores do que os do Rio de Janeiro e de São Paulo. Revista IstoÉ. Caderno Comportamento. Edição: 2144, 10/12/2010.

Gianini, T. (2014). Os brasileiros que podem se refugiam na Flórida: No Estado americano, os imóveis são mais baratos, quase não há assaltos, as praias são limpas e as regras de trânsito são respeitadas. Revista Veja. Caderno Brasil, 09/02/2014.

Margolis, M. (2003). Na virada do milênio: a emigração brasileira para os Estados Unidos. Fronteiras cruzadas: etnicidade, gênero e redes sociais. São Paulo: Paz e Terra, 51-72.

Ordones, A. (2014). Visto de investidor é o mais requisitado por brasileiros no Consulado Americano. InfoMoney . Caderno Onde Investir, 20/1/2014.

Sales, T. (1992). Imigrantes estrangeiros, imigrantes brasileiros: uma revisão bibliográfica e algumas anotações para pesquisa. Revista Brasileira de Estudos de População, 9(1), 50-64.

Sales, T. (2001). Segunda geração de emigrantes brasileiros nos EUA. Migrações internacionais–contribuições para políticas. Brasília, CNPD, 361-374.

Zhou, M. (2004). The Role of the Enclave Economy in Immigrant Adaptation and Community Building: The case of New York’s Chinatown. In: Immigrant and Minority Entrepreneurship. The Continuous Rebirth of American Communities. Editedby John SibleyButler&GerogeKozmetsky. PRAGER: London.

COMO CITAR

CRUZ, E.P. (2016). Empreendedorismo e Imigração: um ensaio sobre a evasão de empresários brasileiros para o Sul da Flórida. ENS-001 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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