Ensaio 2

Empreendedorismo de imigrantes e suas soluções durante a pandemia.

Niterói, 07 de dezembro de 2020

Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.

Os pesquisadores que vêm estudando o fenômeno do empreendedorismo de imigrantes concordam que o principal diferencial desse tipo de negócio é a ‘visão fora da caixa’ desses empresários (Akbar, 2019; Borjas, 2018; Cruz, Falcão, & Mancebo, 2019; Dheer, 2018; Portes & Zhou, 1992; Rath & Kloosterman, 2000). Simplificando a questão apresentada, significa dizer que a experiência anterior, no pai de origem, pode ajudar os empresários a criar soluções que sejam comuns para eles, mas inovadoras para os concorrentes locais.

Um exemplo prático: uma empresária brasileira dona de uma loja de conserto de celulares no Porto (Portugal) certa vez me contou que, enquanto seus concorrentes (locais) estavam satisfeitos com o número de clientes que tinham, ela estava sempre preocupada em atender melhor, para tentar aumentar sua base de clientes. Disse que os concorrentes pareciam não ter ambição de crescer, que se contentavam com o que tinham. Ela, por outro lado, fazia promoções, sorteios, tentava fidelizar clientes com estratégias que conhecia das empresas no Brasil.

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É indiscutível que a pandemia causada pelo novo CORONAVIRUS mudou completamente o mundo e a forma de se fazer negócios. Por outro lado economia já nos ensinou, há muito tempo, que as diferentes firmas são afetadas, também de forma diferente, pelos impactos das mudanças no ambiente de negócios.

No caso da pandemia foi fácil perceber, principalmente nos primeiros meses, que enquanto algumas lojas foram obrigadas a fechar e/ou viram seus clientes ‘sumirem’, outras aumentaram muito suas vendas. Dois exemplos, um comum e outro sobre a pandemia:

– Uma medida governamental de redução do IPI dos carros deve beneficiar as agências que vendem carros ZERO. Por outro lado, as agências de carros usados podem perder clientes. Eles podem identificar que a redução do preço, causada pela diminuição do imposto, torna a compra de um carro novo mais interessante do que de um usado;

– O fechamento das empresas e o lockdown prejudicou significativamente lojas de roupas e perfumarias (por exemplo), mas farmácias e mercados aumentaram e muito as suas vendas pois os recursos financeiros dos clientes foram direcionados para a saúde e alimentação.

Dessa forma, no mundo inteiro, observamos negócios que perderam muito e outros que ganharam muito com a situação – outros simplesmente não sentiram o impacto e continuaram a vender normalmente. Isso, falando de todos os tipos de negócios e de todos os tamanhos: pequenos, médios e grandes. Pois, enquanto muitos partiram rapidamente para o mercado online e delivery (entre diversas estratégias), outros não puderam (ou não souberam) aproveitar essas oportunidades.

– Não puderam: pois mesmo oferecendo localmente seus produtos via pequenos catálogos de Whatsapp, quando seus estoques acabaram não tinham como comprar novas mercadorias, pois seus fornecedores estavam fechados ou sem estoque também;

– Não puderam: pois ofereciam algum serviço essencialmente presencial (como consertos domésticos, pinturas e reparos, por exemplo) e as famílias estavam receosas de receber pessoas estranhas em casa;

– Não puderam: porque a demanda por seus produtos e serviços praticamente se esgotou;

– Não souberam: pois estavam tão míopes no que diz respeito ao modelo de negócios que não perceberam que existem outras formas de atender às necessidades dos clientes.

Quanto a isso recomendamos a leitura do artigo clássico “Miopia em Marketing” de Theodore Levitt – publicado pela primeira vez em 1960 na Harvard Business Review. É incrível como o artigo permanece atual no que diz respeito à capacidade de enxergar seu negócio de forma diferente, de se esforçar para tentar ver como os negócios serão realizados no futuro e para onde podem migrar.

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No caso dos pequenos e médios negócios de imigrantes, essa lógica se mantém. Não há como saber como se comportou cada um dos estabelecimentos fundados por imigrantes no mundo inteiro. Na verdade, provavelmente nunca teremos uma estatística que mostre o desempenho desse tipo de firma em comparação com as empresas locais durante a pandemia. Esse mercado é, por muitas vezes, ‘invisível’ aos governos e suas estatísticas.

É de se esperar que essa capacidade do imigrante de solucionar problemas de forma diferente (apresentada no inicio deste ensaio) tenha dado algum diferencial para esse tipo de empresário.

Muitos países ofereceram incentivos aos pequenos e médios negócios durante a pandemia e isso pode ter sido o suficiente para muitos empresários locais. Os empresários de países desenvolvidos estão acostumados a um mundo de negócios menos arriscado, conseqüentemente poderiam estar menos preparados para uma mudança dessas.

Por outro lado latino-americanos, africanos e asiáticos, estão mais acostumados à lei da selva de suas economias em constante mudança e podem ter buscado um ‘algo a mais’ durante esse período.

Sabemos que os brasileiros estão ‘calejados’ e sabem que não podem deixar de trabalhar. Escutamos relatos otimistas de muitos empresários imigrantes brasileiros, que mantemos contato, no sentido de estarem buscando novas formas de manter seus cafés, restaurantes, lojas, empresas de serviço e limpeza operando de forma diferente.

Por exemplo, enquanto alguns motoristas de UBER pararam de trabalhar e ficaram em casa vivendo da ajuda do governo, muitos motoristas estrangeiros usaram papel filme nos seus carros fazendo uma espécie de cápsula de proteção (no banco do motorista) e continuaram a trabalhar. Por mais que a demanda tenha diminuído, o fato de poucos estarem disponíveis para o serviço fez com que estes pudessem fazer uma boa renda durante a pandemia.

Muitos empresários e empresárias imigrantes que atuam como autônomos (self-employed) buscaram entrar em contato com os clientes e oferecer o que fosse possível. Entrega de pão em domicílio, kit festa, serviço de beleza (corte de cabelo e pintura de unha em casa). Tudo isso revestido dos mais diversos EPIs, usando jalecos de TNT (descartáveis), criando embalagens para produtos hermeticamente fechadas, higienizadas etc.

No caso dos brasileiros, nossa capacidade de sobrevivência, de vencer obstáculos impostos pelas dificuldades da vida, nos mostrou uma série de oportunidades. Desde a idealização de modelos de mascaras faciais mais anatômicos ou mais ‘na moda’, passando pela criatividade de oferecer shows (musica e projeções de cinema) nas varandas de suas residências, até sistemas de delivery que saiam diretamente da casa do empresário para a mesa do cliente.

Claro que não se pode generalizar e afirmar que todos os empresários imigrantes foram beneficiados com a pandemia. Ao contrário, ouvimos diversos casos em que os mesmos não tiveram alternativa a não ser voltarem para o Brasil – muitos graças ao esforço do governo, pois já não tinham mais recursos financeiros para sobreviverem.

Considerações

Muitos já ouviram dizer que oportunidades ou ameaças são formulações pessoais aos estímulos externos. Ou seja, o que pra mim pode significar uma ameaça, e me desmotivar, pode representar um oportunidade para outra pessoa que vai fazer algo positivo e seguir em frente.

Já ouvimos muitas vezes, e de diferentes formas, a fábula dos vendedores de sapato. Já entendemos que em um país onde as pessoas ‘não usam sapato’ pode não haver mercado para esse tipo de produto (pois não faz parte da cultura, usar sapatos) ou há uma excelente oportunidade, pois se ninguém usa todos podem ser compradores. Depende apenas de como encaramos a situação: ameaça ou oportunidade.

Empresários imigrantes muitas vezes deixaram seus países, não por que queriam, mas por que não viam resultados nos seus esforços para terem uma vida melhor. Sofreram todas as dificuldades para reiniciarem suas vidas em um novo país. Mesmo que tenham se mudado para um país que fale o mesmo idioma (por exemplo), as oportunidades são diferentes – para os nativos e para os imigrantes.

Tiveram que conseguir empregos, crédito, documentação, alugar ou comprar um apartamento e outras tantas dificuldades a mim relatadas por mais de 3000 brasileiros no exterior. Mas aí, após se estabilizarem, viram seus negócios ameaçados pelo fechamento obrigatório e pela diminuição da procura por seus produtos e serviços em decorrência da pandemia. Eis mais um desafio que eles têm que enfrentar.

Como Escreveu Euclides da Cunha “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Minha experiência de 8 anos estudando os empreendedorismo de imigrantes (particularmente os brasileiros) me permite parafrasear o escritor e desejar sucesso a todos os empresários brasileiros espalhados pelo mundo reforçando que “o brasileiro REALMENTE é, antes de tudo, UM FORTE”.

Estamos à disposição no Laboratório de estudos de empreendedorismo de imigrantes da UFF para gerar conteúdos e dicas para melhorar a competitividade dos negócios de brasileiros no exterior – contem todos conosco.

REFERÊNCIAS

Akbar, M. (2019). Examining the factors that affect the employment status of racialised immigrants: a study of Bangladeshi immigrants in Toronto, Canada. South Asian Diaspora11(1), 67-87.

Borjas, G. J. (2018). Lessons from immigration economics. The Independent Review, 22(3), 329-340.

Cruz, E. P., Falcão, R. P. de Q., & Mancebo, R. C. (2019). Market orientation and strategic decisions on immigrant and ethnic small firms. Journal of International Entrepreneurship, 1-29.

Dheer, R. J. (2018). Entrepreneurship by immigrants: a review of existing literature and directions for future research. International Entrepreneurship and Management Journal14(3), 555-614.

Portes, A., & Zhou, M. (1992). Gaining the upper hand: Economic mobility among immigrant and domestic minorities. Ethnic and racial studies15(4), 491-522.

Rath, J., & Kloosterman, R. (2000). Outsiders’ business: a critical review of research on immigrant entrepreneurship. International migration review34(3), 657-681.

COMO CITAR:

CRUZ, E.P. (2020). Empreendedorismo de imigrantes e suas soluções durante a pandemia. ENS-002 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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