Ensaio 10

A informalidade deve ser apenas uma fase e não o modelo de negócio.

Niterói, 11 de fevereiro de 2021

Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.

Formalizar-se ou continuar informal? Eis a questão!

Pois é! Todo imigrante que decide iniciar seu próprio negócio já se perguntou se vale a pena se formalizar imediatamente ou passar um tempo como informal – em um estado entre o certo e o errado, entre o legal e o ilegal. Essa é uma questão típica de quem começa o empreendimento fazendo um produto em sua própria casa e entregando ao cliente de porta em porta ou prestando um pequeno serviço.

Vamos lá, primeiro é preciso desmistificar a idéia de que empreendedor formalizado é aquele que paga imposto – NÃO! Em diversos países, dependo da sua movimentação bancária (com excessivas entradas e saídas de dinheiro) você estará sujeito ao imposto de renda, mesmo que não tenha entregado uma nota fiscal sequer.

Isso significa que você pode estar pagando imposto e, ainda assim, estar em desacordo com a legislação local no que diz respeito à necessidade de seguro, alvará ou licença de funcionamento, por exemplo. Por isso, dissemos que estão entre o legal e o ilegal.

Mas a questão desses empresários imigrantes estarem ‘entre o certo e o errado’, e seus impactos, tem a ver com as características migratórias e as bagagens comportamentais brasileiras. Vamos explicar agora.

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De fato, a vida de um imigrante não é fácil, na grande maioria das vezes. A chegada em um novo país, conhecendo poucas pessoas, às vezes sem crédito ‘na praça’, tendo que vencer a burocracia e o preconceito para conseguir alugar um simples apartamento, é uma realidade para muitos brasileiros que imigram – mesmo para os que já saem do Brasil com dupla cidadania.

O emprego, cujo salário irá sustentar toda a família, depende de uma rede local de relacionamentos, que nem sempre se constrói rapidamente. Pior, não é incomum ouvir que as primeiras amizades criadas foram ‘uma completa furada’. Que exploraram suas condições de recém chegados para auferirem ganhos ‘em cima’ do pobre imigrante.

Como em muitos outros casos existe uma rede de amizade, mas não uma rede de negócios, os imigrantes começam a prestar pequenos serviços (fotografia, cuidar de crianças, arrumação e/ou animação de festas, manicure, entre outros) ou a vender produtos feitos em casa (pão, salgadinhos, quentinhas, etc) para os seus amigos locais.

Nesse primeiro momento, muitos dos futuros empreendedores sequer sabem que estão criando um negócio. Ouvimos muitas histórias de que o objetivo do início das atividades era apenas ocupar a mente, por exemplo.

Ora, se eles não têm a certeza de que serão empresários, é muito normal que esperem ‘as coisas engrenarem’ para começarem a pensar na formalização do negócio. De fato, devido às dificuldades lingüísticas que se apresentam em muitos países, o atraso do processo se dá pelo problema de encontrar um advogado ou contador brasileiro que auxilie na burocracia. Lembramos que nem todo o brasileiro imigra apenas para países de língua portuguesa ou espanhola, ou dominam o idioma de onde estão chegando.

Mesmo em países de língua portuguesa ou espanhola (supostamente mais fácil) existem diversas palavras iguais, mas com significados completamente diferentes.

Entendemos aqui que não existe um momento certo para a formalização, mas sabemos COM CERTEZA que as conseqüências de se deixar passar muito do tempo é um complicador, em diversos aspectos. Por isso dissemos que esses negócios se encontram em um estado entre o certo e o errado.

Para explicar, precisamos lembrar que a imigração brasileira é considerada recente (a partir da década de 1980) e bastante particular. Os estudiosos de movimentos migratórios dividem as causas em dois grupos (i) imigração – causa atrativa – quando o migrante vê pontos positivos no lugar onde está pretendendo ir, e (ii) emigração – causa repulsiva – quando algum problema na região onde a pessoa se encontra força-a a sair.

Vimos, ouvimos e lemos muitos casos e histórias de brasileiros que viajaram ao exterior e que ficaram simplesmente encantados com o que viram e não tiraram mais da cabeça a idéia da mudança para aquele país – não importava sua condição de vida no Brasil. São casos típicos de IMIGRAÇÃO.

Porém, a maioria dos 4417 brasileiros que responderam aos nossos questionários até hoje (07/02/2021) demonstraram que existe um fenômeno considerável de EMIGRAÇÂO na jornada brasileira rumo ao exterior – Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Espanha, Estônia, França, Itália, Japão, Portugal e Suíça (países em que o questionário foi ou está sendo aplicado).

Porém, diferentemente de alguns povos que emigraram, e ainda emigram, devido à guerras, catástrofes, etc, a causa da saída do brasileiro parece ter mais a ver com uma decepção com o próprio Brasil (seus governantes, a insegurança, pouca expectativa de sucesso na vida, entre outras) e com os próprios brasileiros (malandros, que querem se dar bem, dar jeitinhos, etc.). Isso gera, em muitos casos, uma sensação de querer fugir dos brasileiros quando se chega para morar no exterior.

Mais do que isso, esses brasileiros emigrantes tentam absorver o máximo possível da cultura e costumes locais e passam a ver os outros nacionais como ‘pessoas erradas’, gerando certa rivalidade entre os brasileiros que ‘vivem dentro das regras certas’ com aqueles que ‘querem levar o Brasil para fora’, mantendo a cultura de se dar bem, ganhar vantagens sempre e dar jeitinhos.

No mundo dos negócios essa rivalidade ascende quando um informal já tem condições de dar o próximo passo, mas parece não querer fazer para continuar tendo ganhos extras e menores custos – em outras palavras, ‘continuar se dando bem’.

Daí aparecem alguns enciumados e outros que se preocupam com a disseminação de uma má fama dos negociantes brasileiros entre os negociantes locais. Segundo relatos essa situação é sempre prejudicial para a comunidade empresarial brasileira, pois, além de divisão, intrigas e fococas – que prejudicam o fortalecimento da própria comunidade empresarial – ainda são relatados diversos casos de denuncias e sabotagens.

Então, identificamos que a informalidade de um negócio de sucesso é sim um dos motivos da divisão de parte da comunidade empresarial brasileira. Existem os que acham isso certo e os que acham isso errado, os que defendem e os que atacam.

Claro que a literatura sobre empreendedorismo de imigrantes destaca a necessidade de uma fase informal para minimizar riscos do negócio. Além do mais, minha formação financeira me mostra que começar um negócio com uma carteira de clientes – gerada na fase informal – garante um mínimo de fluxo de caixa durante o inicio das operações formais.

Imagine que um empresário ‘A’ gaste $100.000 (em qualquer moeda) para abrir uma loja e vender qualquer coisa. Ele primeiro terá que conquistar clientes. Mas nos primeiros meses já estará pagando luz, aluguel, seu próprio salário, etc.

Veja o empresário ‘B’ que após começar a criar sua clientela vendendo de porta em porta, decide registrar todo o seu negócio e se fixar em um ponto. Nos primeiros meses, além de conquistar novos clientes, que passarão em frente a seu estabelecimento, ele ainda estará atendendo aos antigos.

Simples, o empresário B tende a ter menos problema de caixa.

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Sempre que perguntamos se um imigrante brasileiro, ou um empresário imigrante, já ouviu falar de algum caso de distúrbio entre a comunidade brasileira e a resposta é sim a justificativa sempre tem alguma relação entre a ‘esperteza’ de um grupo de brasileiros. A cultura do malandro, ou mesmo a idolatria desta persona, parece que incomoda mais ao brasileiro no exterior do que ao próprio morador local.

Pouco escutamos que denuncias surgiram de um empresário local que não queria a concorrência de brasileiros, a maioria das vezes é “a gente sabe que a denuncia veio de dentro da comunidade”. Alguns vizinhos locais até denunciam brasileiros, mas isso depende de qual país você está imigrando – uns são mais tolerantes, outros não.

Existe um fenômeno identificado em outros migrantes como bounded trust – ou confiança limitada. Trata-se do povo migrante que se solidariza dentro da comunidade étnica para ajudar um ao outro. Sabemos que inúmeras comunidades brasileiras no exterior são fortes e se auto-ajudam. Sabemos também que a união é crucial para o fortalecimento dos brasileiros no exterior – empresários ou não. Mas se tem alguma coisa criando ruído nessa sinergia, é preciso sentar à mesa e enfrentar a questão. É preciso criar um grupo empresarial forte para dar apoio aos informais. Desse modo, eles poderão formalizar-se e ter uma sensação de gratidão ao Brasil – NEM QUE SEJA APENAS A ESSE MINI BRASIL QUE SE FORMA NO EXTERIOR!

COMO CITAR:

CRUZ, E.P. (2021). A informalidade deve ser apenas uma fase e não o modelo de negócio. ENS-010 – Projeto de pesquisa em empreendedorismo de imigrantes.

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