A introdução de alimentos brasileiros no exterior sob a ótica da difusão de inovações: uma iniciativa de imigrantes.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2021
Roberto P. Q. Falcão D.Sc.
Quando em viagem ao exterior, nos deparamos com alimentos brasileiros sendo oferecidos em restaurantes, lanchonetes e bares, isso pode gerar uma sensação de conforto e despertar curiosidade.
E dentro dessa reflexão, podemos pensar em como esses produtos chegaram lá? Qual foi o seu caminho de importação? Ou quem é o empreendedor que está por traz disso?
Em conversas com os locais, por exemplo holandeses, ingleses ou alemães, podemos perceber a popularidade de produtos como o açaí (vendido praticamente como um sorvete altamente nutritivo) ou do pão de queijo (vendido como alternativa a um brioche ou croissant recheado).
A pesquisa mais aprofundada de marcas internacionais desses produtos e até de trajetórias empreendedoras brasileiras, ressalta que o negócio de comida é coisa séria, e pode gerar grande lucratividade de quem investe em produtos exóticos, mas com grande chance de adoção pelo público local.
Ao buscarmos as teorias que explicam a adoção de novos produtos (ou de produtos com apelo étnico ou exótico), nos deparamos com a famosa teoria de Difusão de Inovação de Rogers (2003), que explicita os principais atributos importantes para adoção de um novo produto. São eles: a vantagem relativa, compatibilidade, complexidade, capacidade de teste e observabilidade (Rogers, 2003).
A vantagem relativa é representada pelo grau em que uma inovação é percebida como sendo melhor do que a ideia que ela substitui. O grau de vantagem relativa é frequentemente expresso como rentabilidade econômica, como transmitindo prestígio social, ou de outras formas, mas sabe-se que o custo inicial de uma inovação pode afetar sua taxa de adoção (Ex: alimentos étnicos sendo baratos proporcionam maior experimentação). Também é interessante notar que europeus ou americanos ao adotarem e consumirem um alimento exótico, também estão buscando o status que esse produto representa. É “cool’ tomar açaí com os amigos ou comer um pão de queijo com café brasileiro (ou colombiano).
Já a compatibilidade com valores e crenças é o elemento representado pelo grau em que uma inovação é percebida como consistente com os valores pré-existentes em uma cultura. Portanto, a incompatibilidade de uma inovação com valores culturais pode bloquear sua adoção. Ex: o pão de queijo é facilmente incorporado em lanches e o brigadeiro pode substituir uma trufa de chocolate, e o açaí substitui um sorvete.
Por outro lado, se um alimento é complexo em seu ritual de consumo, pode criar uma barreira a sua adoção, sendo a complexidade o grau em que uma inovação é percebida como relativamente difícil de entender e usar. Assim se o alimento demandar que seja descascado ou se seu preparo for muito demorado, possivelmente não será adotado por ocidentais que valorizam a economia de tempo ao se alimentarem.
O outro atributo importante é a testabilidade, sendo representada pelo grau com que uma inovação pode ser experimentada. Nesse atributo ser percebida positivamente pelos membros de um sistema social é crucial para obter uma elevada taxa de adoção. Por fim, a observabilidade é o grau em que os resultados de uma inovação são visíveis aos outros e percebida por membros de um sistema social, estando também positivamente associada à sua taxa de adoção.
Embora haja iniciativas caseiras, como as do brigadeiro, de fabricação de pão de queijo (Brazilian cheese buns), tanto nos Estados Unidos quanto na Austrália, há relatos de marcas locais desenvolvidas por brasileiros e distribuídas em supermercados e até de habitantes locais que desenvolvem suas receitas próprias (figura 1).
Figura 1: Exemplo de empreendedor australiano que criou marca de pão de queijo
Fonte: Carvalho (2019)
Ainda, em comunidades brasileiras no exterior, observamos que sempre há alguém que monta um negócio de brigadeiros (Brazilian truflles), ou que faz o churrasco para os amigos (quer seja com os cortes locais ou em alguns casos, com os cortes brasileiros, argentinos ou uruguaios). Já o fornecimento de açaí (Brazilian açaí bowl) demanda um importador gabaritado que detenha uma clientela ou sua própria rede de distribuição.
Em relação a esses produtos étnicos brasileiros, em geral os adotantes estrangeiros primeiramente tomaram conhecimento de sua existência (quer seja em uma viagem ao exterior ou nas comunidades de imigrantes estabelecidas localmente). Em um segundo momento devem testá-lo (usá-lo ou experimentá-lo) e posteriormente haver uma demanda que justifique sua comercialização em escala comercial, para que se estabeleçam fábricas ou importação frequente (Ver figura 2). Ainda assim, muitas vezes os empreendedores étnicos que vendem um alimento típico brasileiro, devem se antecipar aos anseios dos consumidores locais, incluindo possíveis adaptações nos ingredientes, temperos ou ajustes para cultura local.
Figura 2: A exportação de Açaí.
Fonte: Sauma, J. & Maia, C. (2019).
Para concluirmos o ensaio a seguir tecemos alguns comentários e recomendações. O empreendedor brasileiro que busca oportunidades de comercializar produtos étnicos alimentícios deve ter em mente as possíveis adaptações dos produtos ao gosto local, como ajuste no teor de sal, teor de gorduras, concentração de açúcar ou mesmo incluir formas de servir os produtos que estejam ajustadas aos hábitos alimentares consolidados do público local.
É muito importante também que seja feita uma boa pesquisa de mercado e até prototipagem e teste de produtos com consumidores locais. Neste sentido, os empreendedores bem-sucedidos em geral buscam realizar ações de degustação e amostras para gerar experimentação dos produtos. Mesmo que parte dos consumidores locais já tenham vindo ao Brasil, é importante ter em mente que há um universo bem maior de pessoas que nunca vieram para cá e possivelmente tem uma visão limitada das delícias da culinária brasileira.
Por fim, a dica final para os empreendedores é ter disciplina, buscar apoio profissional e gerenciar suas estratégias de comunicação e gestão financeira, de modo a ter sucesso em seus empreendimentos, mesmo que em um primeiro momento comecem informalmente.
Referências
Carvalho, F. (2019). Sem nunca ter visitado o Brasil, chef abre foodtruck de pão de queijo em ilha remota na Austrália.
Rogers, E. (2003). Diffusion of Innovations. Fifth edition. Free Press: New York.
Sauma, J. &Maia, C. (2019). Caminhos do açaí: Estados Unidos consomem 40% da exportação paraense; mercado na Europa é tímido e fruto movimenta US$ 17 milhões em dois anos. G1.