Por que estudamos e ‘de onde vem’ o empreendedorismo de imigrantes?
Niterói, 19 de janeiro de 2021
Eduardo Picanço Cruz :. D.Sc.
A primeira vez que saímos em direção aos Estados Unidos para entrevistar empresários brasileiros na Flórida em 2012 optamos, por sugestão do antropólogo e pesquisador do projeto prof. Cesar Barreto, não ‘nos contaminar’ com teorias prontas. Dizia ele, “vamos primeiro observar. Identificar se existe uma questão de pesquisa e depois nós buscamos respondê-la ou criar um framework para encaixá-la”.
De volta ao Brasil, começamos a debater o que observamos lá. Sim, era um fenômeno de empreendedorismo – sem dúvida. Afinal, brasileiros assumiram o risco e iniciaram negócios buscando atender às oportunidades observadas ou empreenderam devido às necessidades de ganhar dinheiro. São os chamados necessity-driven ou opportunity-driven (Minniti, Bygrave, & Autio, 2006). Tudo de acordo com as teorias de empreendedorismo.
Mas seria um tipo especial de empreendedorismo?
Imediatamente, procurei artigos sobre o tema empreendedorismo internacional (international entrepreneurship), afinal tratava-se de empreendedorismo e era internacional. Fácil!
A leitura dos textos relacionados logo foi me mostrando que não era esse o fenômeno que estudávamos. O empreendedorismo internacional é um aspecto da internacionalização de negócios e os dados mostravam que naquele mundo de auto emprego (self employed), micro e pequenas empresas de imigrantes, a única internacionalização que existia era a da própria pessoa e não da empresa.
Alguns artigos poucos ‘forçavam a barra’ tentando enquadrar esse tipo de empresa como ‘empreendedorismo da diáspora’. Porém, no caso do Brasil, muitos negócios foram iniciados antes da chamada diáspora brasileira (década de 1980 e 1990). Além disso, ao se deparar com a complexidade do termo, como destacado no artigo de Silva e Xavier (2018), por exemplo, vimos que o uso empreendedorismo da diáspora era inadequado devido às grandes diferenças nos padrões de movimentos diaspóricos do mundo. Ainda assim, vimos que muitos empresários imigrantes não pertenciam a um povo que exerceu esse tipo de migração.
Foi quando estava revisando um artigo para o congresso anual da United States Association for Small Business and Entrepreneurship – USASBE, em 2014, que me deparei pela primeira vez com um artigo sobre o tema ‘immigtant entrepreneurship’. Na verdade o artigo era sobre empreendedorismo de minorias (minotities entrepreeurship) e citava, dentre as diferentes minorias, os imigrantes.
Foi uma verdadeira luz no fim do túnel. Buscamos textos em português sobre o tema e nada. Só texto em inglês. Muito pouco material sobre o assunto no Brasil e nenhum deles usava aquele referencial que descobrimos. Eles apenas descreviam que alguns estrangeiros empreendiam em algumas regiões do Brasil e debatiam vários aspectos: relações de trabalho, dificuldades de adaptações pessoais, religiosidade dos imigrantes e diversos aspectos culturais. Mas não debatiam modelos de negócio, oportunidades para empreendedores imigrantes, marketing, logística, etc, voltada para esse tipo de negócio. Nem aspectos ambientais como um bairro étnico e mecanismos de redes de suporte, por exemplo.
Em 2016 começamos a realizar nosso estudo bibliométrico sobre o tema – publicado em 2017 na revista científica Intenext (Cruz & Falcão, 2017). Identificamos que os estudos começaram a ganhar força na metade da década de 1980. Além disso, 35% dos artigos escritos até então giraram em torno de 12 periódicos internacionais. Quando estudamos a carreira e publicações dos 20 autores com o maior numero de artigos publicados pudemos entender de onde vinham os estudos:
Fonte: Cruz e Falcão (2017)
As áreas de Sociologia, Economia e Estudos Urbanos vinham contribuindo muito mais para a discussão do que a área de gestão ou empreendedorismo. Tudo bem, isso não é uma competição entre áreas de estudo. Mas realmente mostrava que estávamos certos em buscar um enquadramento gerencial. Além do mais, com a interpretação desse fenômeno a partir das teorias de gestão poderíamos criar frameworks e dicas para o sucesso de muitas empresas de imigrantes. Foi o que fizemos em nossos artigos, particularmente os abaixo listados e em nossas pagina – na seção de vídeos, ensaios e material disponível:
CRUZ, E. P.; FALCAO, R. P. Q. . Orientação de mercado para pequenas e médias empresas de imigrantes brasileiros no exterior. REGEPE, v. 9, p. 641-671, 2020.
CRUZ, E. P.; FALCAO, R. P. Q. ; BARBOSA, Y. O. F. ; PAULA, F. O. (2020). Análise de variáveis prescritoras da intenção empreendedora de imigrantes brasileiros em Portugal. RAC. REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA (ONLINE),, v. 24, p. 349-368, 2020.
CRUZ, E. P., FALCAO, R. P. Q., & BARRETO, C. R. (2017). Exploring the evolution of ethnic entrepreneurship: the case of Brazilian immigrants in Florida. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research.
CRUZ, E. P.; FALCAO, R. P. Q. ; MANCEBO, R. C. ; CASTRO, A. R. C. . Trajetórias do empreendedorismo imigrante e estratégias de mercado a partir das experiências de brasileiros no exterior. Cadernos de Gestão e Empreendedorismo, v. 5, p. 37-54, 2017.
Daí podemos responder a pergunta do título do ensaio: Por que estudar? Porque como professor de uma Universidade Federal brasileira é isso que devemos entregar a nossa sociedade. Material para orientar nossos cidadãos, onde quer que eles estejam, para terem mais chance de sucesso.
Claro que como professor os artigos científicos fortalecem meu currículo. Mas confesso que gosto muito mais de escrever esses ensaios com dicas e orientações e gravar vídeos (mesmo sem ter o menor jeito para youtuber) do que ficar esperando reconhecimento da academia.
Todo o material que criarmos será gratuito e universal – como se propõe a educação superior brasileira que abraçou essa nossa pesquisa.
Referências
Cruz, E. P., & de Queiroz Falcão, R. P. (2017). Revisão bibliométrica no tema Empreendedorismo Imigrante e Étnico. Internext, 11(3), 78-94.
Minniti, M., Bygrave, W., & Autio, E., (2006), Global Entrepreneurship Monitor: 2005 Executive report, London Business School.
Silva, L. H. O., & Xavier, R. C. L. (2018). Pensando a Diáspora Atlântica. História (São Paulo), 37.